sexta-feira, 28 de outubro de 2016


Raul Brandão
  

«Vou primeiro ao Baleal, que é a mais linda praia de terra portuguesa. Não passa duma grande rocha desligada da costa e fundeada a trezentos metros— mas esta rocha é uma ossada, e talvez o último vestígio da Atlântida, saindo do mar azul a escorrer azul e presa à terra por um fio de areia que nas marés mais vivas chega a desaparecer. Deste ancoradouro, com uma baía ao sul formada pelo Carvoeiro e com outro côncavo ao norte entre a rocha e a costa, vê-se o esplêndido panorama da terra, do mar e do céu. Vive-se extasiado e embebido em azul, no meio do mar azul, no meio do mar verde, no meio do mar dramático. Voga-se em toda a luz do céu e em toda a cor do mar. Dum lado, o areal em circo e aquele grande morra estendido pelo mar dentro; do outro, até onde a vista alcança, todos os tons da costa, desde as labaredas das terras sulfurosas e as chapadas negras dos rochedos, com riscos de vermelho, até ao biombo que vai passando e desmaiando, primeiro roxo com aldeias ao sol e fundos verdes de pinheiros, depois transparentes até atingir o indistinto e o diáfano numa última palpitação de claridade nublosa». E tudo isto muda de cor e se transforma segundo as horas passam. Há momentos em que é doirado, de manhã ou à hora do poente. Há outros em que me sinto abismado em azul e atascado em azul. O movimento das ondas esmorece e acalma. À volta só luz e cor. A costa some-se. Uma apoteose de oiro e verde lá no fundo. Do horizonte à praia corre e cintila a esplêndida estrada do sol. E agora - reparem! reparem! - o mar é verde e o céu perdeu a cor...»

                                                                                                                           Agosto de 1919   (Raul Brandão, Os Pescadores)
                                                                                                                                              

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