Raul Brandão
«Vou primeiro ao Baleal, que é a mais linda praia de terra
portuguesa. Não passa duma grande rocha desligada da costa e fundeada a
trezentos metros— mas esta rocha é uma ossada, e talvez o último vestígio da
Atlântida, saindo do mar azul a escorrer azul e presa à terra por um fio de
areia que nas marés mais vivas chega a desaparecer. Deste ancoradouro, com uma
baía ao sul formada pelo Carvoeiro e com outro côncavo ao norte entre a rocha e
a costa, vê-se o esplêndido panorama da terra, do mar e do céu. Vive-se
extasiado e embebido em azul, no meio do mar azul, no meio do mar verde, no
meio do mar dramático. Voga-se em toda a luz do céu e em toda a cor do mar. Dum
lado, o areal em circo e aquele grande morra estendido pelo mar dentro; do
outro, até onde a vista alcança, todos os tons da costa, desde as labaredas das
terras sulfurosas e as chapadas negras dos rochedos, com riscos de vermelho,
até ao biombo que vai passando e desmaiando, primeiro roxo com aldeias ao sol e
fundos verdes de pinheiros, depois transparentes até atingir o indistinto e o
diáfano numa última palpitação de claridade nublosa». E tudo isto muda de cor e se
transforma segundo as horas passam. Há momentos em que é doirado, de manhã ou à
hora do poente. Há outros em que me sinto abismado em azul e atascado em azul.
O movimento das ondas esmorece e acalma. À volta só luz e cor. A costa some-se.
Uma apoteose de oiro e verde lá no fundo. Do horizonte à praia corre e cintila
a esplêndida estrada do sol. E agora - reparem! reparem! - o mar é verde e o
céu perdeu a cor...»
Agosto de 1919 (Raul Brandão, Os
Pescadores)
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